Bem, hoje não vou postar receita.
Vou postar um trecho espetacular do livro "Casa dos amores impossíveis" da espanhola Cristina Barrio. Esse texto para mim é síntese do que venho experimentando há anos: todas as línguas tem uma expressão para o ditado: o caminho para o coração eh pelo estomago. Ou como dizemos mais vulgarmente no Brasil: homem (ou o ser amado) se prende pelo estômago!
---------------------------------------------------------------------
As mãos de Santiago não demoraram a se afundar em uma tigela de gemas de ovo. Escancarou a janela. Não cozinhava desde que Olvido morrera. Às gemas acrescentou farinha, açúcar, uma pitada de sal; seus dedos misturaram os ingredientes transformando-os em uma massa na qual afundou apenas o indicador e o dedo médio da mão direita para besuntar um pouco no mamilo e comprovar a consistência. Estava perfeita. Beijou aquele punhado de massa e uniu-o ao rosto. Sabia que Úrsula o estava observando de sua janela. Ela não se escondia. Observara-o, de início divertida, depois concentrada na ondulação das mãos, na grossura de seus lábios, nas gotas de suor sobre a testa, cuja anatomia podia intuir percorrendo suas têmporas, rosto, queixo. E ela também suava, o calor de fins de julho cozinhava o patio com o silencio dos canos e os sinais de mofo; ela também sentia a suavidade da massa. Santiago abriu uma rede de limões e raspou a casca de um deles até que as raspas ficaram em um montinho, tao eriçadas e solitárias que se convertiam em um púbis de ouro. Ele o observou com veneração, como se observasse uma paisagem que podia esmigalhar em suas mãos, chupar, cheirar. E assim fez. Em seguida, jogou as raspas na massa, estendeu-a sobre a bancada com a ajuda de um rolo e pintou com ovo o rosto de Úrsula. Ela nunca vira uma forma de cozinhar como aquela; era um ritual que fazia com que ela sentisse no estomago o desejo de comer o cozinheiro em vez do bolo. Nunca observara alguém cozinhar com tanto amor, com um amor sólido, liquido, gasoso; um amor que atravessava o patio e agigantava as coroas de petúnias, transformando o parapeito em uma selva que abria caminho entre o inevitável.
[…]
Sozinha com o bolo, Úrsula lembrou como Santiago acariciava os ingredientes – as gemas de ovo, a farinha, o acucar, as raspas de limão – como os cheirava, beijara, como suas mãos os misturaram; a massa escorrendo de um mamilo, os lábios entreabertos, as gotas lambendo sua testa. Ela ficava excitada de de pensar no amor com que o cozinhara, excitada de pensar que esse amor agora estava ali dentro, que era para ela e podia comê-lo. Arrancou umas migalhas e degustou-as lentamente, esmagando-as com a língua contra o palato. Sentia o gosto de Santiago na boca. Beliscou um pedaço maior, e depois mais outro, frutado com um toque de canela, vivo, puro, e um aroma apenas levemente perceptível de açúcar e chuva que incendiou-lhe os seios.
Vou postar um trecho espetacular do livro "Casa dos amores impossíveis" da espanhola Cristina Barrio. Esse texto para mim é síntese do que venho experimentando há anos: todas as línguas tem uma expressão para o ditado: o caminho para o coração eh pelo estomago. Ou como dizemos mais vulgarmente no Brasil: homem (ou o ser amado) se prende pelo estômago!
---------------------------------------------------------------------
As mãos de Santiago não demoraram a se afundar em uma tigela de gemas de ovo. Escancarou a janela. Não cozinhava desde que Olvido morrera. Às gemas acrescentou farinha, açúcar, uma pitada de sal; seus dedos misturaram os ingredientes transformando-os em uma massa na qual afundou apenas o indicador e o dedo médio da mão direita para besuntar um pouco no mamilo e comprovar a consistência. Estava perfeita. Beijou aquele punhado de massa e uniu-o ao rosto. Sabia que Úrsula o estava observando de sua janela. Ela não se escondia. Observara-o, de início divertida, depois concentrada na ondulação das mãos, na grossura de seus lábios, nas gotas de suor sobre a testa, cuja anatomia podia intuir percorrendo suas têmporas, rosto, queixo. E ela também suava, o calor de fins de julho cozinhava o patio com o silencio dos canos e os sinais de mofo; ela também sentia a suavidade da massa. Santiago abriu uma rede de limões e raspou a casca de um deles até que as raspas ficaram em um montinho, tao eriçadas e solitárias que se convertiam em um púbis de ouro. Ele o observou com veneração, como se observasse uma paisagem que podia esmigalhar em suas mãos, chupar, cheirar. E assim fez. Em seguida, jogou as raspas na massa, estendeu-a sobre a bancada com a ajuda de um rolo e pintou com ovo o rosto de Úrsula. Ela nunca vira uma forma de cozinhar como aquela; era um ritual que fazia com que ela sentisse no estomago o desejo de comer o cozinheiro em vez do bolo. Nunca observara alguém cozinhar com tanto amor, com um amor sólido, liquido, gasoso; um amor que atravessava o patio e agigantava as coroas de petúnias, transformando o parapeito em uma selva que abria caminho entre o inevitável.
[…]
Sozinha com o bolo, Úrsula lembrou como Santiago acariciava os ingredientes – as gemas de ovo, a farinha, o acucar, as raspas de limão – como os cheirava, beijara, como suas mãos os misturaram; a massa escorrendo de um mamilo, os lábios entreabertos, as gotas lambendo sua testa. Ela ficava excitada de de pensar no amor com que o cozinhara, excitada de pensar que esse amor agora estava ali dentro, que era para ela e podia comê-lo. Arrancou umas migalhas e degustou-as lentamente, esmagando-as com a língua contra o palato. Sentia o gosto de Santiago na boca. Beliscou um pedaço maior, e depois mais outro, frutado com um toque de canela, vivo, puro, e um aroma apenas levemente perceptível de açúcar e chuva que incendiou-lhe os seios.
Nenhum comentário:
Postar um comentário