sábado, 8 de março de 2014

Love goes through the stomach

Bem, hoje não vou postar receita.
Vou postar um trecho espetacular do livro "Casa dos amores impossíveis" da espanhola Cristina Barrio. Esse texto para mim é síntese do que venho experimentando há anos: todas as línguas tem uma expressão para o ditado: o caminho para o coração eh pelo estomago. Ou como dizemos mais vulgarmente no Brasil: homem (ou o ser amado) se prende pelo estômago!

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As mãos de Santiago não demoraram a se afundar em uma tigela de gemas de ovo. Escancarou a janela. Não cozinhava desde que Olvido morrera. Às gemas acrescentou farinha, açúcar, uma pitada de sal; seus dedos misturaram os ingredientes transformando-os em uma massa na qual afundou apenas o indicador e o dedo médio da mão direita para besuntar um pouco no mamilo e comprovar a consistência. Estava perfeita. Beijou aquele punhado de massa e uniu-o ao rosto. Sabia que Úrsula o estava observando de sua janela. Ela não se escondia. Observara-o, de início divertida, depois concentrada na ondulação das mãos, na grossura de seus lábios, nas gotas de suor sobre a testa, cuja anatomia podia intuir percorrendo suas têmporas, rosto, queixo. E ela também suava, o calor de fins de julho cozinhava o patio com o silencio dos canos e os sinais de mofo; ela também sentia a suavidade da massa. Santiago abriu uma rede de limões e raspou a casca de um deles até que as raspas ficaram em um montinho, tao eriçadas e solitárias que se convertiam em um púbis de ouro. Ele o observou com veneração, como se observasse uma paisagem que podia esmigalhar em suas mãos, chupar, cheirar. E assim fez. Em seguida, jogou as raspas na massa, estendeu-a sobre a bancada com a ajuda de um rolo e pintou com ovo o rosto de Úrsula. Ela nunca vira uma forma de cozinhar como aquela; era um ritual que fazia com que ela sentisse no estomago o desejo de comer o cozinheiro em vez do bolo. Nunca observara alguém cozinhar com tanto amor, com um amor sólido, liquido, gasoso; um amor que atravessava o patio e agigantava as coroas de petúnias, transformando o parapeito em uma selva que abria caminho entre o inevitável.

[…]

Sozinha com o bolo, Úrsula lembrou como Santiago acariciava os ingredientes – as gemas de ovo, a farinha, o acucar, as raspas de limão – como os cheirava, beijara, como suas mãos os misturaram; a massa escorrendo de um mamilo, os lábios entreabertos, as gotas lambendo sua testa. Ela ficava excitada de de pensar no amor com que o cozinhara, excitada de pensar que esse amor agora estava ali dentro, que era para ela e podia comê-lo. Arrancou umas migalhas e degustou-as lentamente, esmagando-as com a língua contra o palato. Sentia o gosto de Santiago na boca. Beliscou um pedaço maior, e depois mais outro, frutado com um toque de canela, vivo, puro, e um aroma apenas levemente perceptível de a
çúcar e chuva que incendiou-lhe os seios.